MatragA
A HORA E A VEZ DE AUGUSTO MATRAGA
João Guimarães Rosa
Editora Nova Fronteira, 1986.
O Velho Rosa sorri ao ver o deleite que me proporcionou
com a leitura de Matraga. Assim contado, tim-tim por tim-tim, sem tirar nem
pôr, com toda paciência de acender o fogo, assentar-se, calar-se e ouvir a
aqueles que somaram histórias, tal qual, dormir com os sonhos. Num átimo ¹.
O abismo do homem. Uma queda e seu percurso. O
cadafalso da margem do abismo, o silêncio do vácuo da queda, por fim, o solo.
A primeira fala - após a queda – o murmúrio da dor. A
memória e a dor nas entranhas, membros, tronco e cabeça.
Entre o cadafalso e a queda, chicoteado pelas memórias
- o cavalo, o selim, a soberba, o suposto poder -, de encontro com o solo. Por
baixo de seu próprio olhar, a cegueira de um mundo pequeno, e de um sertão
ainda menor.
Pirambeira abaixo, cai o homem. Já não tem nada a sua
vista, só um fundo poço de lembranças embaralhadas, não tem mais, sequer, as
falácias do jogo de truco.
O sertão das Geraes, pintado com tintas de sua própria
autoria, o inexplicável, a roda de sua ordem, os vermelhos indizíveis e suas
variações.
Um preto, uma preta recebem em seu abismo um branco,
anjo caído, não caiu do céu nem do inferno, mas de um -, (inferno definitivo) ²
-. Vale o instinto de sobrevivência a cuidar de um animal ferido,
impotente para o abate e a caça.
Do modo simples ressurge o homem, tem as mãos na terra,
não prevarica, come e bebe seu suor. Tem “pertencência” com um novo chão e o
que está a sua volta, sente os pássaros, o parto da sementes, o esverdear do
plantio, o maduro dos frutos. Tem pai e mãe, pretos.
Mas como tudo é provisório, céu e inferno vêm aos
poucos, têm sua hora e vez, Matraga seguirá seu destino, ter sua vez e hora,
nem que seja a porrete.
Assim, Matraga segue a eito, matar os piores males que
lhe assolaram: a ignorância e a injustiça. O homem se curará das duas,
terá a sua hora e vez, mas, antes da sua hora, sepultará os seus males. Do mal
para o bem e vice-versa, ou às vezes os dois, juntos e misturados.
Bem-vindos as Geraes.
Vale a leitura!
(¹) Palavra muito utilizada pelo
Velho Rosa, de tão presente, deveria ser exclusiva do mestre.
(²) Fragmento de poema “Murilo
Mendes.
E muitas vezes, num "átimo", pensamos que caímos num "inferno definitivo". Nem sempre é definitivo, mas não temos dúvidas de que se trata de um inferno. E tartamudeando, buscando driblar o medo, aguardamos a hora e a vez de sairmos dele. Ou de ele sair da gente.
ResponderExcluirNesse mundo Roseano, itinerário e destino de incertezas, só uma certeza a Hora e a vez virá, sempre pelo bem.
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